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O celular do defunto

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O velório do Lourival foi na capela do cemitério. Havia muita gente. O Lourival era respeitado na empresa, tinha muitos amigos e uma família grande. De repente, dentro da bolsa da viúva, o celular que era do Lourival, tocou. A viúva, surpresa, pegou-o dizendo baixinho que deveria tê-lo desligado e que se esquecera, mas ia atender, poderia ser alguém que não soubesse do falecimento.
– Alô!
– Lourival, sou eu amor... O seu Marcelão, quer dizer... sua Sasha! Você me deixou esperando no motel. Trouxe a lingerie vermelha, que você gosta – disse a voz masculina, mas nitidamente gay.
– Aqui é a viúva do Lourival. O Lourival morreu. Quem está falando?
– Ai, meu Deus! O Lolô morreu? Que Deus o receba em sua glória! São Jorge, não acredito! Que coisa triste, que tragédia! Mas me diga: de que morreu o meu Lolô?
– Lolô? Olha, não sei quem você é, mas acho que você ligou para o Lourival errado.
– Lourival errado, lambisgoia! Me diz uma coisa, queridinha: quem está falando aí é a Lucíola, a esposa tenebrosa do Lourival? Aquela que ele chamava de “a Jabiraca”?
– O que? Lourival me chamava de quê?
A viúva se levantou da cadeira num rompante. Todos que estavam no velório fitaram a viúva. O que era aquilo?
– Jabiraca? Ele me chamava de Jabiraca?– Perguntou ela, arfando de indignação e olhando com raiva para o rosto frio do marido morto.
– Que foi, mãe? – a filha se aproximou, curiosa. A mãe afastou a filha com rispidez.
– Olha, seu degenerado, eu fui uma boa esposa pra ele, fomos casados durante 35 anos e não venha manchar a imagem que tenho do meu marido e que vai ficar comigo. E vamos esclarecer isso: você e o Lourival se conhecem de onde?
– Conheço o Lourival há milênios. Sete anos, se quer saber. A gente se encontrava pelo menos três vezes por semana, tá? Ele era meu amigo, meu amante, companheiro, incentivador de minha carreira artística – sou cantora, se quer saber – e o Lolô é grande amor da minha vida, ta? Tivemos um caso durante sete anos. E ele me foi fiel nestes sete anos. Sei disso porque nem você ele trepava, que eu sei.
– Escuta aqui, seu viado escroto – a viúva apelou, constrangendo todos que não sabiam que barraco era aquele.
–Pode me chamar de Sasha. E fique sabendo que sou travesti com muito orgulho, e sou linda maravilhosa. Tipo Sandra Bullock e seu marido adorava. Pode ter certeza que ele morreu feliz.
– Sua bicha, o Lourival está morto e isso não é hora de difamar o coitado. E não acredito que ele tinha caso nenhum. Nem com mulher nem com um... um... travesti.
– Tem esposa que é cega. O Lourival mudou muito em sete anos. Mas, Lucíola querida, deixa isso pra lá, só me fala quando vai ser a cremação.
– Ele não vai ser cremado. Vai ser enterrado.
– Como enterrado? Pensei que ele ia ser cremado.
– Cremado? Impossível! Ele tinha horror à cremação. Não acredito que meu marido tenha mudado tanto. Lourival te disse isso?
– Dizer não disse, mas eu deduzi.
– Deduziu como?
– Bem, já que ele já tinha queimado a rosquinha, seria natural querer que todo o resto fosse queimado também.
O travesti deu uma risada de bicha desbocada, mas só pra sacanear a viúva. Por dentro ela chorava. Afinal, ela amava o Lourival.

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